quinta-feira, 15 de outubro de 2009

AGRONEGÓCIO X AGRICULTURA FAMILIAR: BOLSO CHEIO E MESA VAZIA!



16 de outubro – dia da soberania alimentar, dia da alimentação. O Brasil nunca esteve tão longe de ser independente – pelo menos no que diz respeito à produção de alimentos para consumo interno. O último censo agropecuário de 2006 deixa claro quem alimenta o povo brasileiro: a agricultura familiar, ocupando apenas 24% da área agrícola, produz 38% da riqueza desse setor produtivo; emprega 75% da mão de obra no campo; responde por 87% da produção nacional de mandioca, 70% do feijão, 46% do milho, 38% do café , 34% do arroz, 21% do trigo, 58% do leite, 59% do plantel de suínos, 50% das aves e 30% dos bovinos[1].
Do outro lado, a agricultura não familiar, o chamado agronegócio, representa apenas 15,6% do total dos estabelecimentos agrícolas, mas monopoliza 75,7% da área agrícola. O agronegócio é um dos pilares da economia brasileira a um custo muito alto. Todos os anos, são despejados milhões de litros de agrotóxicos nessas terras, o que contamina os lenços freáticos e prejudica o meio ambiente e a saúde da população. Onde se instala a agricultura extensiva, surge o chamado “deserto verde”, com a destruição da biodiversidade, os rios secam e as terras se tornam improdutivas com o passar dos anos.
Segundo Oliveira[2], o país produz e exporta a comida que falta nos pratos da maioria dos trabalhadores brasileiros. Em 2.003, entre os 100 principais produtos, o complexo soja (soja em grão, farelo e óleo) respondeu pelo item de maior valor em dólar na balança comercial com o exterior. Esteve e está à frente das exportações de aviões, minério de ferro, automóveis, terminais portáteis de telefonia celular, alumínio etc. Em sua esteira vêm os tradicionais café e açúcar. Depois deles, aparece a pasta de celulose, os calçados e o couro, a carne de frango, o suco concentrado de laranja, o fumo, a carne bovina, a carne suína, o milho, as madeiras e a castanha de caju.
Quanto às importações, entre os 100 primeiros, o trigo esteve no ano de 2.003, em segundo lugar; a soja importada (é isso mesmo, importa-se para exportar) em décimo nono; arroz em vigésimo quinto; o leite integral em pó (é isso mesmo também) e ainda a pasta de celulose, papel jornal, cacau, borracha natural, etc., etc., etc.
A análise de Oliveira[3] demonstra que o agronegócio moderniza o país, já não dependemos mais apenas da importação do trigo, mas, agora também do leite. Estamos, pois, diante de uma terrível contradição. Quem produz, produz para quem paga mais, não importa onde ele esteja na face do planeta. Logo, a volúpia dos que seguem o agronegócio vai deixando o país vulnerável no que se refere à soberania alimentar. Como as commodities (mercadorias de origem agropecuária vendidas nas bolsas de mercadorias e de futuro) garantem saldo na balança comercial, o Estado financia mais as ditas cujas. Então, mais agricultores capitalistas vão tentar produzi-las. Dessa forma, produz-se o saldo da balança comercial que vai pagar os juros da dívida externa. É o cachorro correndo atrás do próprio rabo. Ou como preferem os companheiros, é o neoliberalismo em sua plena volúpia.
Os episódios recentes envolvendo uma empresa do agronegócio, a Cutrale, uma das maiores produtoras de suco de laranja do mundo, revelam bem esta luta desigual que se trava entre produtores de alimentos para consumo interno e para a exportação. O MST[4] ocupou a fazenda Capim, que abrange os municípios de Iaras, Lençóis Paulista e Borebi, região central do Estado de São Paulo, a partir do dia 28 de setembro, sendo retirado há poucos dias atrás. A área possui mais de 2,7 mil hectares, utilizados ilegalmente pela Sucocítrico Cutrale para a monocultura de laranja, que demonstra o aumento da concentração de terras no país, como apontou o censo agropecuário do IBGE. O objetivo da ocupação era justamente denunciar esta guerra que se trava, hoje, entre a agricultura familiar e o agronegócio.
Segundo o MST[5], a ocupação tinha como objetivo denunciar que a empresa está sediada em terras do governo federal, ou seja, são terras da União utilizadas de forma irregular pela produtora de sucos. Além disso, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) já teria se manifestado em relação ao conhecimento de que as terras são realmente da União, de acordo com representantes dos Sem Terra em Iaras.
Como forma de legitimar a grilagem, a Cutrale realizou irregularmente o plantio de laranja em terras da União. A produtividade da área não pode esconder que a Cutrale grilou terras públicas, que estão sendo utilizadas de forma ilegal, uma prática comum feita por grandes empresas monocultoras em terras brasileiras como a Aracruz (ES), Stora Enzo (RS) entre outras.
O MST nega ter depredado dependências e equipamentos da fazenda. O Brasil de Fato[6] reafirma a defesa do MTS, negando estas acusações: “(...)em nota divulgada, o MST afirma que não promoveu a depredação na fazenda e muito menos tocou nos pertences e nas moradias dos trabalhadores que residem na área. A nota faz alguns questionamentos, com a versão insistentemente veiculada na mídia, que qualquer jornalismo sério e comprometido com a verdade faria: a Policia Militar de SP não tem nenhuma imagem filmada da depredação? Como seria possível desmontar os tratores, como foram apresentados, não tendo equipamentos necessários para isso? Como seria possível furtar 15 mil litros de combustíveis, escoltados pela PM e sendo transportados em cima de uma carroceria de caminhão? Por que tendo recebido imagens da destruição dos pés de laranja ainda no dia 28 de setembro, somente no dia 5 de outubro a Rede Globo resolveu exibi-las? Por que os integrantes do MST foram impedidos de acompanhar a entrada da PM na fazenda, logo após a saída das famílias acampadas? O que realmente aconteceu na fazenda após a saída das famílias acampadas? Apenas uma comissão independente, como exige o próprio MST, poderá dar respostas à essas perguntas”.
`Por que os produtores do agronegócio estão tão preocupados em denegrir a imagem dos militantes do MST? Talvez, porque temam o julgamento dos brasileiros que precisam pagar mais caro pelos alimentos básicos, porque a terra que deveria ser destinada à plantação de alimentos para consumo interno hoje é apropriada pelos fazendeiros locais e pelas empresas internacionais com a conivência do Estado e com a conta que só cresce através dos inúmeros subsídios concedidos e da rolagem das dívidas destes produtores, sendo paga por cada um de nós.

[1] Brasil de Fato – 15/10/2009
[2] OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. In: Os mitos sobre o agronegócio no Brasil. XII Encontro Nacional do MST, em São Miguel do Iguaçu, PR, de 19 a 24 de janeiro de 2004.

[3] Ibidem.
[4] Nota oficial do MST divulgada em 06/10/2009
[5] Ibidem
[6] Edição de 15/10/2009

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