quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Lua cheia


A lua cheia
Está desnorteando minha cabeça
Espero que a luz do sol
Dissolva essa loucura
Do mar enfurecido.
Ondas quebram na minha retina
E inflamam meu pulmão.
Estou insuportavelmente
Lúcida.
Dentro de mim,
Enxergo até o que não devia ver.
Não suporto mais tanta razão.
Desarvorada,
Jogo-me na areia
E cedo ao turbilhão.

Inferno

O deserto de nuvens vermelhas
Incendiou de vez minha cabeça.
Será que é tudo minha imaginação?
A escada em espiral,
A velha espectral,
A poeira suspensa,
Os olhos no vitral...
Manhã sanguinolenta
-O olhar perdido no tempo,
O fim da emoção.
Não ha saída,
nem meia volta.
Nesse labirinto,
Ninguém ouvirá os teus gritos
Nunca mais...

Denso

Os homens são feitos de carne
E o mundo é feito de pedra.
Impossível conciliar essas incompatibilidades.
E as selvas?
As selvas vasculham a memória de um tempo vivido,
Pois as florestas encontram-se ameaçadas
Pelo concreto que cresce e encobre o céu.
Os homens caminham em praias desertas,
Fugindo da fumaça das cidades.
Mas é inútil: as praias estão repletas de peixes mortos.
Os homens de carne já se acostumaram ao concreto.
Não podem mais viver na selva.
Preferem o grande alvoroço das cidades e suspensos,
Adormecem em suas gaiolas solitárias.
Não gemem, choram, completamente, inconsoláveis.
Não dormem: vislumbram fantasmas soturnos
Tecem pesadelos eternos nas pequenas salas
As carnes enrijecem no monótono exercício da vida.
-Fluxo, espécie de rio, que os atravessa despercebidos.
Ouvem-se preces: mais adiante, colocam uma lápide sobre um homem.
Carne e concreto se eternizam contrariados,
Fragmentados, num silêncio imenso.

Espera_nça

A mãe espera o filho.
A mulher espera o marido.
O estômago espera o pão.
O mendigo estende a mão.
O homem espera o trem.
Mas o trem não espera o homem.
Espera que espera
Um dia o desespero chega e se apodera.
O desespero é o triste fim de quem esperou a vida inteira.
Com paciência,
Com esperança.
O desespero está na espera.
Só há esperança na eterna busca.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

O Fio da Navalha



Tenho por ti
um carinho imenso.
Um amor de mãe.
A dedicação de uma irmã.
A ternura de uma amiga.
Tu és para mim
O fio afiado da navalha.
A lâmina de uma faca fria.
O sopro de um rio tépido.
A outra face de uma indiferença extrema.
Sou para ti cabeça intensa.
Pouco menos que um trator mental.
Uma gota d'água insistente
A martelar teu inconsciente.
Tens por mim reverência e tédio
Medo e fastio.
Temos a mesma essência.
Somos o avesso do avesso.
O que não gostaríamos de ser
Ou de ver
Em nós mesmos.
Somos alma laminada.
Somos vida em cavalgada.
Somos livres, leves e lânguidos.
Intrépidos ciganos.